Extraído do livro "Revelações - Conversações Espirituais sobre o Mestre Philippe de Lyon", de Michel de Saint Martin.
Ainda inédito no Brasil, será lançado em breve com prefácio do filho de Papus, Dr. Philippe Encausse, tradução de Anderson Fortes de Almeida e revisão de Mirian Portugal Torres, a quem agradecemos imensamente pelo amor à obra do MEM.
...Imagine um homem que, partindo da orla de um bosque, percebe ao longe o campanário de um vilarejo. Ele está cansado de vagar no mato e tem fome. Logo se põe em marcha, em direção a esse vilarejo. Caminhando reto através dos campos, das sebes, dos arbustos, ele encontra uma estrada, mas ela não lhe parece conduzir ao vilarejo. Sobre o marco, lê: Caridade. Não é isso o que procura. Ele quer ir ao vilarejo onde sabe que pode encontrar alimento e hospedagem... E ei-lo que parte novamente pelos campos, passando pelas baixadas, pelas terras lavradas e, após muitos esforços, encontra um pântano lamacento no qual entra; mas, apesar de várias tentativas penosas, ele vê que não pode atravessá-lo, nem a nado (há muito pouca água, sem contar as ervas perigosas), nem a pé, pois, na primeira tentativa, ele tem dificuldade em evitar de se atolar. E o infeliz caminha penosamente neste pântano onde acaba por se extraviar, pois, para atravessá-lo, deixou as terras mais altas de onde o vilarejo era visível, e, agora, não sabe nem mesmo em que direção caminhar, não sabe mais onde está o vilarejo...
Um outro homem, saindo do mesmo bosque, em condições análogas, dirigiu-se ao vilarejo e, como o primeiro, encontrou a estrada sinalizada: “Caridade”. Essa estrada não leva, talvez, ao vilarejo em questão, mas uma estrada sempre leva a algum lugar! Ele chegará certamente a um vilarejo seguindo-a, ainda mais porque essa estrada tem um nome muito bonito. Ele a segue na direção indicada “Caridade”, e, depois de um certo tempo de caminhada mais fácil, apesar das pedras e buracos que encontra durante o avanço através dos campos, vê à esquerda um imenso pântano que ele margeia de longe e, em seguida, o atravessa sobre uma ponte. Depois da ponte, a estrada o conduz diretamente ao vilarejo.
E será somente mais tarde, à noite, que o outro viajante chegará, no momento em que aquele que seguiu a estrada se senta à mesa. Os dois homens compartilharão a mesma refeição, mas um está esgotado e coberto de lama, ainda sem ter-se recuperado da angústia que sentiu quando estava perdido nos dédalos do pântano, onde poderia, à menor imprudência, ter encontrado a morte e de onde só pôde sair graças à estrada que felizmente encontrou antes do anoitecer. O outro, entretanto, revê ainda as belas paisagens que percorreu e os encantos desse vilarejo antigo, que teve tempo de visitar enquanto no albergue preparavam a refeição.
Após narrar a história acima aos seus visitantes (o escritor Michel de Saint Martin e o professor Dubourg), Jean Chapas, o discípulo que prosseguiu com o trabalho de cura que o Mestre Philippe realizava antes de partir deste mundo, retomou:
– Devo acrescentar que o morno (N. R.: morno é o indiferente, o inerte, o que nada faz [espiritualmente falando], aquele que, no caso, não insistiu em seguir nem pela estrada, nem em meio ao bosque) está ainda assentado sobre uma touceira de capim, tiritando de frio na noite, lá longe no meio dos bosques?
– Vejo muito bem agora a diferença, e verdadeiramente compreendo que é melhor seguir a estrada, e, além disso, é muito mais fácil!, respondeu St. Martin.
– É mais fácil, mas com a condição de não deixá-la, pois muitos pegam um desvio, crendo voltar a ela em um instante, justo o tempo de colher essa bela flor ou de ver esse bosquezinho, e depois se perdem, rasgam-se nos espinhos; enfim tudo vai bem quando se reencontra a estrada, mas é mais prudente não se afastar dela.