Por João Carlos de Freitas, Sacerdote Expectante do 2º Grau
O sentido mais profundo das Escrituras sagradas, do Oriente e do Ocidente, é cabalístico, hermético ou alquímico. Mas este significado último e radical não anula os outros, seja o sentido literal ou o espiritual e místico.
Portanto, os Evangelhos contêm um ensinamento muito profundo que nos conduz a compreender que os mistérios ali contidos são interiores, pois falam de nossa regeneração. E é isso o que deveríamos pedir a Deus: que ele nos abençoe e nos abra o sentido interior, os olhos do Espírito, pois os da carne somente podem perceber as realidades deste mundo (físicas ou sutis).
Um exemplo deste sentido hermético do Evangelho o temos na figura de São José, esposo da Virgem Maria e pater putativus de Jesus Cristo.
Em latim, putativus significa ‘aparente’, ‘suposto’, e vem do termo putus: ‘limpo’, ‘puro’, do verbo puto, ‘limpar’. Ele foi purificado por Deus (sem Deus o homem não pode ser purificado).
José, no aspecto exterior, carnal, aparente não é quem está sempre com a Virgem Maria, senão o José interior, de natureza divina. Os dois, José e Maria interiores, são puros, e eles podem unir-se porque compartilham dessa mesma qualidade.
José é nome hebraico que significa ‘aumentar’, ‘unir’, ‘somar’, ‘prolongar’.
Mas não precisamos consultar os livros de alquimia para descobrir o seu conteúdo hermético, pois encontramos o sentido profundo de José, o esposo da Virgem Maria, num autor medieval, Santiago della Voragine (Jacopo da Varazze, 1230 – Gênova, 1298), hagiógrafo domínico italiano. Foi bispo de Gênova (entre 1292 e 1298), e autor da Lenda Áurea.
Nesta obra se diz que os dois (José e Maria) são da linhagem de David (Lucas 1, 27).
O Anjo que visita José o chama de «filho de David». (Mateus 1, 20)
Os dois são puros. Portanto, sua união é divinamente casta.
A tradição diz que a bengala de José também floresceu como a da Virgem Maria.
José foi visitado por um Anjo; Maria também. Santiago della Voragine disse que José «foi honrado com a auréola da glória e da virgindade» (como Maria).
E que «se identificou tanto com ela (Maria), que se ela chorasse, ele também chorava…».[1]
Parece-nos evidente que o autor desta obra nos está dizendo que José, a Virgem Maria e o fruto deles dois (mediante a intervenção de Anjo Gabriel), são na realidade um só, pois os três são três aspectos da unidade divina, pois no mundo de Deus não há dualidade nem pluralidade, Ele é eternamente Um, no Universo ou encarnado num ser humano, como neste caso.
Assim, a Escritura fala veladamente do processo de regeneração que Deus realiza num ser humano.
Portanto, se Cristo está potencialmente em nós, também estão José e a Virgem. Por isso devemos pedir que Deus nos abençoe e nos fecunde, como fez com a Virgem Maria. Não importa que sejamos homens ou mulheres, todos podemos ser capacitados por Deus para receber esse grande dom que regenerará nossa vida interior.
Na linguagem alquímica, poderíamos dizer que nossa alma (o Enxofre), nosso espírito (o Mercúrio) e nosso corpo interior (o Sal) serão transmutados na Pedra Filosofal, a Pedra piramidal dos alquimistas. Em termos teológicos, corresponde ao Corpo de Glória, que é Cristo, fruto da união divinamente pura de José e da Virgem Maria.
[1] Cito a edição espanhola: Santiago de la Vorágine, La leyenda dorada, volume 2, Alianza Editorial Madrid, 1987, pp. 962-963.